O movimento olímpico contemporâneo procurou, por meio do fair play, reviver a areté grega. Citado pela primeira vez por William Shakespare em 1595, sem vínculo algum com o fenómeno desportivo, o fair play tornou-se uma questão importante na luta daqueles que defendem que o desporto é mais do que uma actividade competitiva cujo resultado esperado é a vitória.
Entretanto, diante das transformações do mundo contemporâneo, o fair play também vem sofrendo adequações sem perder suas matrizes originais. Isto é, o sentido de fair play vem sendo alterado da mesma forma que o amadorismo foi superado pelo profissionalismo dentro do movimento olímpico internacional. Tais mudanças ocorreram devido a inúmeras transformações socioculturais que o mundo viveu ao longo do breve século XX, como as duas grandes guerras mundiais seguidas da guerra fria, o aprimoramento dos estudos da fisiologia do exercício e do desporto de alto rendimento e da tecnologia direccionada para o desempenho competitivo. Essas mudanças foram necessárias para actualizar o fair play frente à nova ordem mundial e à inédita profissionalização das diversas esferas do desporto.
Por outro lado, o desporto actual, enquanto indústria mobilizadora de grandes interesses económicos e paixões de nações inteiras, há muito que se equilibra de forma instável entre os notáveis e ancestrais princípios do espírito desportivo e as incontornáveis leis de mercado, do lucro, do prestígio e da fama, em suma, do sucesso, obtido muitas vezes à custa de meios ilícitos. Veja-se, por exemplo, o que tem acontecido em modalidades como o Atletismo, o Ciclismo ou o Halterofilismo, onde vários atletas foram já sancionados com suspensão da actividade e devolução de medalhas, títulos e prémios alcançados devido ao uso de substâncias proibidas.
Mas, no caso do Futebol, por exemplo, o doping nem é sequer o maior problema quando se aborda a questão do fair play e do espírito desportivo: a corrupção entre os agentes desportivos, a violência nos estádios, dentro e fora do campo, o desrespeito pelo árbitro e pelas leis do jogo, a batota das simulações, a encenação das falsas lesões, os comportamentos racistas e xenófobos, etc., têm vindo a retirar muita da beleza que desde sempre caracterizou esta modalidade. E o pior é que, o mediatismo que a imprensa e a televisão lhe confere, consegue fomentar, não raro, comportamentos desleais e transformar até, condutas reprováveis em exemplos a seguir: quem já não ouviu, por exemplo, comentários do tipo "ele só respondeu à provocação" ou "ele devia ter feito falta"?
A gravidade de afirmações deste tipo ainda é maior quando elas são ditas por profissionais da comunicação, treinadores de referência ou jogadores de topo, uma vez que o seu impacto no público, nomeadamente nos jovens, é ainda maior e confere-lhes legitimidade suficiente, capaz de elevar faltas intencionais e desonestas à condição de modelo de comportamento competitivo.
No entanto, é com agrado que se vai assistindo com maior frequência a comportamentos e atitudes em prol da verdade do jogo, da lealdade entre os adversários e da sã convivência entre adeptos rivais: o árbitro que reconhece que se enganou, o jogador que reconhece que fez falta ou que interrompe o jogo para que um adversário seja assistido, o adepto derrotado que confraterniza, após o jogo, com o vitorioso, são exemplos que devem ser enaltecidos e merecedores de elogio público, conquanto contribuem para a verdadeira promoção do desporto, em tudo o que ele tem de melhor - a beleza plástica do movimento, a emoção da incerteza do resultado, a disputa justa, leal e honesta por um objectivo, o limite e a superação do homem.
Na realidade, o desporto sem Fair Play, não difere muito de uma batalha, onde tudo é permitido para se alcançar a vitória, onde só o resultado conta e onde os fins justificam os meios.
Assim não! Desporto sim, mas com Fair Play!