"Este ano de 1961 ficará na história do século XX como um dos marcos mais importantes (...). Nesse ano, simbolicamente, terminou uma era. Caiu, na Índia, a primeira pedra do último Império Colonial. Começou, Em África, uma dolorosa Guerra. O assalto ao navio Santa Maria e o desvio de um avião da TAP, som sobrevoo de Lisboa e despejo de Panfletos, espantaram a opinião internacional. Cresceu o maior fluxo de emigrantes jamais visto (...). Iniciou-se a década de maior crescimento económico da história do país(...).
Paradoxalmente, este ano estava destinado a ser a continuidade do período de apogeu do regime do Estado Novo. Fundado havia mais de três décadas, só nos anos 50 conheceria vitórias atrás de vitórias. Portugal é fundador da NATO em 1949 e figura ao lado de países democráticos e vencedores da Segunda Guerra, em contraste com a exclusão da Espanha. Membro da ONU desde 1955, é proposto para a organização pelos países aliados e democráticos. Fundador da EFTA em 1959-60, frequenta as nações europeias e os Estados democráticos com os quais estabelece excelentes relações políticas e económicas. Em 1960 é admitido no FMI e no BIRD. Apesar de ser a única ditadura que pertence a todas estas organizações, a boa reputação de Portugal e do seu regime está firme. A visita a Portugal da rainha Isabel II da Grã-Bretanha era o símbolo do reconhecimento ocidental. Mas também é neste ano de 1961 que, pela primeira vez, os Estados Unidos votam, nas Nações Unidas, contra Portugal.
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É verdade que, antes de 1961, uns poucos factos tinham criado apreensões a um regime seguro e a um ditador firme. Nem tudo era róseo. Em 1958, a candidatura do General Humberto Delgado e o extraordinário entusiasmo popular que este tinha suscitado provocaram uma crise de nervosismo ímpar. (...)
Em 1961, tudo mudou. A dimensão dos problemas adquiriu uma gravidade insustentável. A queda da Índia, A guerra de Angola, a ocupação do paquete Santa Maria, o golpe de Botelho Moniz e o assalto ao quartel de Beja foram os factos que, neste ano, marcaram o princípio do fim.
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Estamos assim diante de um processo tipicamente contraditório. A sociedade e a economia avançam e melhoram. A política endurece. O regime reforça-se. A oposição cresce. A abertura social e cultural acelera. O que parecia ser o cume mais relevado do regime revela-se, em fim de contas, o princípio do seu declínio. Foi o ano maldito de Salazar e do seu regime. Mas foi o ano que, à distância, deu início a uma nova era, a da liberdade."
António Barreto